quinta-feira, fevereiro 08, 2007

CAPITULO V

Eram 6 horas da madrugada, o Nuno tinha que fechar o bar, mas um grupo persistente parecia querer prolongar a noite. Quando chegou perto da mesa do mais recente grupo, ficou pasmado. Tinham todos ficado até tarde, nem se tinham apercebido que o tempo tinha passado.
- Meus senhores já é tarde, vou começar arrumar as coisas, preparem-se para sair.
O Paulo, a Anabela, a Margarida, o André e a Teresa era a primeira vez que conversavam. Tinham todos em comum, uma vida destruída. À medida que iam conversando, iam desvendando as afinidades e recontavam uns aos outros, as suas histórias de vida. Todos tinham sido obrigados pelas circunstâncias a alterarem o curso normal das suas vidas. Por algum motivo, deixaram para trás uma vida planeada, ao invés de uma vida em constante mutação. Nunca tinham certezas daquilo que poderia ser o amanhã, para eles, a vida era incerta. Por isso, naquela noite todos comemoravam o seu nascimento para a vida, já que a vida é algo de maravilhoso, como repetia constantemente o André.
- Bebam champanhe, este é bom. É francês, do melhor que existe. Afinal, estar vivo é uma bênção dos céus, dos deuses do Olimpo e da natureza. Bebam que eu pago, afinal hoje tenho tantos motivos para comemorar. Ressuscitei a minha liberdade.
O Nuno sentou-se e ficou a ouvir a conversa, já estavam todos fora de si, o Paulo e o André confessavam o seu descrédito nas mulheres.
- Mulheres, raça malvada. Que destrói a vida de um gajo. Como nos podem reduzir a pó?! Nós que devíamos mandar lá em casa, como faziam os nossos avós! Nem que fosse com um pau, nós devíamos de instituir a lei da força.
E André, não menos contente e mais enervado, relembrando o que tinha passado com Antonieta.
- Aquelas que se dizem de elite são as piores! São como cavalos, em que apostamos e que nos levam a fazer as maiores loucuras e a gastar mais e mais dinheiro. E no final, deixam-nos.
Cheias de sorrisinhos estavam as mulheres que chateadas, só gritavam.
- Viva às mulheres. Somos tão boas. Vocês queriam ser como nós, mas não conseguem é preciso sabedoria, experiência e até sensibilidade. Tudo coisas que vocês não têm.
O Paulo ria-se com a discussão e tentava provocá-las.
- Não temos sensibilidade?! Por causa, dessa malvada sensibilidade é que ela me deixou. Se fosse bruto e lhe batesse, talvez hoje estivesse comigo.
A Anabela furiosa dizia que todos os homens eram idênticos.
- Os homens são todos iguais, só muda o número de bilhete de identidade. Podem ter diferentes idades, mas têm todos a mesma mentalidade, rebaixam-nos e utilizam-nos. São seres maquiavélicos dignos das descrições mais espantosas de Nicolau Maquiavel na sua obra “O Príncipe”.
A Margarida relembrava tudo o que já tinha passado nas mãos de um homem.
- Os homens tratam-nos abaixo de cão, mas para os de fora, são gentis e amáveis. Depois de um copo de vinho, ficam possuídos e nós sofremos as consequências. Nunca mais quero nenhum perto de mim!
A Teresa que nunca tinha tido namorado, marido ou companheiro, apenas mostrava a sua descrença no sexo fraco.
- Os homens são uns fracos. Precisam das mulheres para tudo! São tão ignorantes que ainda não perceberam que quem manda somos nós! Nunca quis, nem quero um homem. São repugnantes, uma raça inferior. Nós mulheres somos fortes, altivas, tal qual leões no meio da selva. Sempre prontas a lutar.
A discussão ia-se prolongando. Já eram 6 horas da manhã, o Nuno tinha que fechar o bar.
- Meus senhores, já é tarde e agradeço que se vão embora. Tenho que fechar o bar. Todos em coro suplicaram, mais uns minutos.
Apesar de tudo, o Nuno sabia que tinha que fechar pois já eram horas de pôr fim à noite.Eles também sabiam que a noite estava a chegar ao fim! Despediram-se com abraços e beijos e marcaram novo encontro no próximo sábado.
Antes de se irem embora o André relembrou a importância de estarem em permanente contacto.
- Minhas ladies e meu gentelemen queiram dar-me o número dos vossos telemóveis.
Todos ficaram com os números uns dos outros, e durante a semana foram comunicando.
A semana passou tão depressa que nem sentiram o tempo a passar. As senhoras compraram umas roupas novas para a saída de sábado à noite. E os senhores compraram uma nova camisa e um perfume. Preparam o próximo encontro com muito cuidado, pois todos queriam estar no auge da sua beleza.
À hora marcada, estavam todos em frente da porta do bar, arranjados e perfumados. Cada um dos amigos sabia, os milagres que uma boa imagem pode causar para quem quer iniciar uma nova relação amorosa.
Pouco a pouco, os pares iam-se definindo, cada um deles estabelecia uma relação de empatia com o outro.
O Paulo estava cada vez mais fascinado com a Anabela. Ela para além de ser culta, era bonita, tinha charme. Era doce e sabia como conquistar um homem. Ele nunca tinha tido alguém que lhe desse carinho e que o ouvisse, ela fazia tudo isso na perfeição e muito mais. Durante a semana, o Paulo tinha estado doente, e ela ligou-lhe foi ter com ele ao hospital. Ele ficou muito sensibilizado com a atitude, até comentou com o seu colega de trabalho.
- Ricardo, a Anabela tem-me ajudado muito, fez com que a minha vida ganhasse um novo sentido.
O Ricardo brincou com a situação, viu que o amigo estava diferente, andava mais contente.
- Tas apaixonado! Cuidado, ela é mais nova!
O Paulo relembrou-lhe a importância de ter alguém que nos valorize e que não nos magoe.
- É muito difícil, para mim ter uma relação com alguém! Depois de ter sido abandonado e vigarizado pela galdéria como queres que trate as outras mulheres?! Vou tratá-las sempre com desconfiança. E vou dar um passo de cada vez, nunca vou pôr a carroça à frente dos bois.
A Margarida pensava que nunca iria encontrar o amor, mas parece que a vida estava a dar-lhe uma segunda oportunidade, o André era um porto seguro. Pela primeira vez, ela sentia que alguém a valorizava. Ligava-lhe a perguntar se estava bem, se precisava de alguma coisa. Ela nos primeiros tempos desconfiava das atitudes de André e dava-lhe vontade de barafustar com ele. Em conversa com as suas filhas revelava, a dificuldade de voltar a gostar de alguém.
- O amor é como andar de bicicleta, mas acho que já há tantos anos que não ando, que até já me esqueci. Já não sei pedalar. E tenho medo de voltar andar, mas o meu maior medo é que alguém me empurre. E que desta vez, me faça cair com tanta força que nunca mais me consiga pôr de pé.
O André estava habituado a comprar tudo com o seu dinheiro e pensava que ela seria uma compra fácil, mas pouco a pouco ela tornava tudo mais difícil. Por isso mesmo, ele admirava-a a cada instante que passava. Ela conseguia tornar a conquista mais motivante, pois o resultado superava o esforço e o tempo gasto. O André não tinha por ela, um sentimento de posse, mas um carinho continuado e prolongado.
Ao contrário das outras, não lhe pedia nada, não o seduzia, mas antes, mostrava a essência do seu ser. Mostrava a Margarida tal qual ela era. Apesar, da idade continuava a ser uma mulher bonita, elegante e inteligente. Ninguém diria que esta mulher já tinha sofrido tanto. Parecia dotada de uma beleza sobrenatural, que transcendia o tradicional. O André não estava habituado a mulheres deste tipo. Sempre teve as mulheres que quis, diziam que era charmoso, mas o dinheiro também o ajudava na conquista dos corações votados ao vento.
Em conversa com a Emília, o André mostrava a insegurança numa nova relação.
- Emília não se preocupe que tão cedo não terá mais ninguém para lhe dar ordens. Eu serei sempre o único detentor desse poder.
A Emília conhecia bem o André, a ela, ele não podia enganar.
- O menino está a brincar comigo! Conheço-o desde pequeno, conheço esses olhos de felicidade, se não está feliz para lá caminha.
A Teresa percebeu porque continuava solteira, tinha uma orientação sexual diferente. Tinha passado metade da sua existência preocupada com a sua vida profissional e tinha ignorado os afectos. Para ela, os sentimentos eram remetidos para terceiro plano, muitas vezes pensava porque não amava e porque não era amada.
- Porque perco sempre quem amo?! Será que ninguém é capaz de me fazer despertar para a vida? Primeiro, o meu escritório de advocacia, depois a minha família e finalmente o amor. Onde está o meu amor?
As amigas confrontavam-na com a sua vida e com as escolhas que tinha feito.
- Teresinha deve ser lésbica. Nunca te vimos com nenhum homem.
A Teresa um pouco chateada negava sempre essa hipótese, para ela ser lésbica era algo de ridículo.
- Não sou essa coisa, apenas quero alcançar o meu sucesso profissional. Quando o amor chegar, vou abrir a porta.
O amor bateu à porta várias vezes, mas Teresa conseguiu fechar sempre a porta. As desculpas eram de todo o tipo. Os anos iam passando e ela conseguia sucessos atrás de sucessos, mas amor, nunca mais.
A primeira vez em que se apercebeu que podia ser lésbica até estranhou. Deu por si a olhar para uma mulher mais velha que passava na rua.
- É tão bonita! Que mulher fascinante! Que olhos bonitos e um sorriso fantástico!
Durante semanas pensou nela. Começou a equacionar a situação, foi aí que se apercebeu que talvez estivesse enganada. Olhava para os homens e não sentia nada, eram-lhe indiferentes.
Nas várias visitas ao Covil conheceu uma mulher fascinante, também ela lésbica. Com quem tinha conversas fantásticas e interessantes. Nos primeiros encontros, tinha medo de revelar a sua orientação sexual, mas quando se apercebeu que Rita tinha a mesma conduta de vida, confessou tudo. A Rita contou-lhe que só se apercebeu que era lésbica muitos anos mais tarde depois dos filhos e os netos nascerem. Era médica de clínica geral, uma excelente profissional e uma excelente pessoa.
Ambas tinham uma certeza, ser lésbica não era uma doença, era ser-se diferente, tal como Teresa referia incessantemente.
- Nós não somos algo do outro mundo, temos uma orientação sexual diferente. E temos direito a ser diferentes, mesmo que juridicamente esse direito de personalidade não nos seja reconhecido.
Depois de todos os clientes saírem ficou o grupo do costume, estavam a conversar, a discutir, a beber e a sorrir. O Nuno olhava para o grupo e reparava que pouco a pouco, cada um deles tinha descoberto um rumo para as suas vidas. Ele lembrava-se das primeiras visitas ao bar que cada um deles tinha feito. Recordava como chegaram e como foram ficando. Traziam todos tristeza, sofrimento, feridas na alma, dor e muitas lágrimas. Pouco a pouco, o tempo foi passando, as dores foram diminuindo e as feridas foram sarando. Agora, eram homens e mulheres que renasciam para a vida pouco a pouco, tal qual andorinhas que voam pela primeira vez. Apesar da idade, para eles a vida era olhada como se fosse pela primeira vez.
O barman constava que a troca de experiências tinha feito milagres, todos eles tinham crescido, tinham percebido que a vida é para ser vivida de cabeça erguida. Todos se tinham apercebido que para viver de cabeça erguida é preciso cair muitas vezes, errar umas quantas, mas nunca desistir.
Das várias conversas e sorrisinhos trocados percebeu que os seus clientes tinham adoptado um novo princípio de vida. Afinal, as conversas noite dentro tinham dado fruto. A repetição da ideologia de luta cravada nas paredes e na mente de Nuno atingia pouco a pouco todos os frequentadores.
- A vida é aquilo que fazemos dela, podemos ser os nossos maiores amigos ou os nossos maiores inimigos. Cabe a cada um de nós nunca ignorar que sobreviver é uma escolha, mas viver é aceitar ir à luta.