terça-feira, fevereiro 06, 2007

CAPITULO I

O fumo cinzento com alguns traços brancos inundava a sala escura e fechada. Os cheiros de chanel, Dolce Gabana ou até mesmo, um simples desodorizante da loja dos chineses misturados com incensos de baunilha e velas vermelhas e rosa perfumavam o bar.
Os rostos cruzavam-se e eliminavam-se mutuamente. Os olhares cruzados tentavam encontrar algo no escuro serrado. Talvez, um sorriso, um toque ou um simples piscar de olhos. Todos os membros do Covil Bar tinham pelo menos três décadas de existência, muitas desilusões e procuravam aventuras rápidas e passageiras.
As paredes do bar se falassem, iriam contar as histórias dos homens e das mulheres destruídas pelo tempo que procuravam um porto seguro, mas apenas por breves instantes.
O comportamento dos frequentadores mudava radicalmente, aos fins-de-semana. Todos os fins-de-semana eram bons para encontrar uma falsa metade de cada ser, esse era o objectivo de cada noitada prolongada. As caras novas eram depressa procuradas para uma conversa momentânea. A inexperiência de uns levava-os muitas vezes, por caminhos obscuros. Os mais experientes, já conheciam a etiqueta para eventos como este. Na primeira vez, via-se o ambiente, os gestos, via-se quais as regras instituídas no local. Na segunda vez, tentavam conversar. Na terceira vez, iam descobrindo as afinidades com os frequentadores. Esta última fase era decisiva, para se integrar no grupo. Se não gostassem nunca mais voltavam, mas se gostassem seriam presença assídua todos os fins de semana até encontrarem o seu alter- ego.
Sabiam que podiam encontrar qualquer outro Covil espalhado por cidades e por aldeias no interior de Portugal. Era um fenómeno em expansão: cada vez mais divorciados frequentavam estes bares, na esperança de encontrarem um novo rumo para as suas atormentadas vidas.
Quando a porta se abria, todos esperavam ansiosamente pelo rosto que a luz iria iluminar. Por vezes, a espera chegava a doer na alma, pois a ansiedade era tanta, o coração batia fortemente. Assim aconteceu com o Paulo, um dos inexperientes recém divorciados, sem cão, nem mulher, nem filhos.
A ex-mulher, Ana Maria era uma galdéria, como os amigos que lhe chamavam. Tinham dois anos de diferença, mas ela era de uma terra para lá do sol-posto. Casou-se porque queria sair de casa e ir para Lisboa. No entanto, a Maria como o Paulo gostava de a chamar, foi trabalhar, para uma loja chique, cujo proprietário se interessou por ela. A vida que tinha com o Paulo, não era das melhores. Ela gostava de grandes luxos, roupa de marca. E o marido não lhe podia dar, afinal era um simples empregado de restaurante.
Um homem doce, meigo e muito trabalhador. Arrumava a casa, lavava a roupa e fazia a comida. Era um escravo da Cleópatra Ana Maria. Este homem só tinha um sonho ter um filho da mulher que amava, mas os sonhos nem sempre se realizam e talvez por isso, sejam sonhos. O sonho do homem meigo transformou-se num verdadeiro pesadelo. Dois anos antes do divórcio, Ana Maria deu-lhe o melhor presente de anos, estava grávida. O Paulo ficou tão contente que começou a trabalhar muito mais.
No entanto, a felicidade não era para durar, num dia chuvoso de Abril, o sonho acabou. Ana Maria chegou decidida acabar com o casamento e com o filho que não queria ter.
- Não quero ter um filho contigo, quero abortar! Quero que me dês o divórcio.
- Como me podes pedir semelhante coisa?! O que foi que eu fiz?! Explica-me não estou a perceber nada!
- Não me interessa o que percebes ou não. Apenas quero que saibas que não quero continuar contigo. Tu não és aquilo que eu pensava e também não me podes dar o que quero! Nunca iria ter um filho contigo! Percebes?! Como o iríamos sustentar? Tu nem ganhas para mim, quanto mais para um filho. Já pensaste que ter um filho envolve dinheiro?! Isso, tu não tens!
- Mas nunca te faltou nada! Vou de autocarro para o trabalho, tu vais de carro. Já há dois anos que não compro roupa nova! E tu, todas as semanas compras uma roupa para estrear! O nosso filho teria tudo!
- Não me interessa o que pensas! Alias, tu a mim não me das nada. Senão fosse o meu patrão o que seria de mim! Ele já me prometeu ajuda.
- Tem o meu filho que eu cuido dele.
- Ficar com o meu corpo estragado?! Nem penses.
O Paulo ao entrar no Covil Bar recordou a sua vida, foi como vivesse tudo de novo. A dor de ser abandonado, a dor por lhe tirarem o filho que tanto queria ter e a enorme dor de ser traído pela mulher que tanto amou e em quem sempre confiou. No primeiro momento, em que a viu pensou ter encontrado aquela que seria a mais digna, para ser a sua companheira para o resto da vida. Caso contrário, nem sequer se teria casado.
Ao entrar no bar fez um regresso ao seu passado, mas também rapidamente percebeu que tinha muito em comum com as pessoas que ali estavam.
Foi uma vez, duas vezes, três vezes e voltou muitas mais vezes até se tornar muito amigo do barman. E este, todas as noites lhe contava as histórias de vida das várias pessoas que frequentavam o bar.