quinta-feira, fevereiro 08, 2007

CAPITULO IV

O André Gonçalves de Castela e Sande tem sangue azul, mas quando se trata de sofrer o seu sangue é bem vermelho, tal como, o dos outros mortais.
Casado com uma mulher arrogante há 14 anos, sofre de violência doméstica. Maria Antonieta de Sanches e Richelieu é de origem francesa, diz-se descendente do cardeal Richelieu e vocacionada para ajudar os mais pobres. Passa longas e demoradas tardes, a beber chá com as tias de Sintra. A única cultura que conhece é a francesa, só come produtos franceses, toca piano e ouve Edith Piaf.
O marido passa o tempo numa herdade no Alentejo, enquanto Antonieta gasta o dinheiro com os rapazes que conhece à noite. Eles sabem que a tia de Sintra os pode ajudar, afinal são pobres e desprotegidos.
O André recebe semanalmente a visita da mulher, para que este lhe dê o dinheiro que precisa para as despesas do dia a dia. Quando chega à herdade “Território de Castela e Sande” é sempre a mesma confusão. Chega como um foguetão e demora menos que um tornado, pois o que a obriga a vir ao Alentejo é o dinheiro e não a bela paisagem, os cavalos, os touros, as ovelhas e as frutas.
Os empregados, já sabem que todas as segundas-feiras têm que receber a senhora. Preparam tudo para a sua chegada, Nicolau apanha os morangos que Antonieta tanto gosta e Emília faz o cabrito no forno com batatas. A senhora tinha ligado avisar que viria na quinta-feira.
- Bom dia Nicolau, é a sua patroa que está a falar, por favor, avise o meu marido que estou a caminho da herdade.
O André quando ouve o barulho do Ferrari da sua mulher fica muito nervoso e impaciente, não porque a ame, mas porque a discussão vai ser inevitável.
- Querido passe-me um cheque para poder comprar os meus nécessaires! O querido sabe como adoro ter estes prazeres da vida. Além disso, o filho sabe que estou em Sintra e manter uma vida digna é difícil.
Já era a segunda vez, numa semana em que lhe pedia dinheiro e André não tinha vontade de lho dar.
- Querida, já lhe dei dinheiro esta semana! O que anda a fazer?
Já um pouco revoltada com a situação, Antonieta indignou-se.
- Querido, você sabe como gosto de estar em Sintra, mas não posso ficar sem as mínimas condições, senão me der dinheiro, a situação vai resolver-se da maneira habitual (e riu-se).
O marido passou-lhe o cheque, embora contrariado. E nesse dia, Antonieta nem comeu os morangos e muito menos o cabrito. Esteve na herdade apenas 30 minutos.
Quando, o André viu a sua mulher regressar a Sintra, pensou na importância de colocar um ponto-final na situação. Eram anos desperdiçados com uma mulher que não o amava, mas amava o seu dinheiro. Quando o marido estava doente não se preocupava, mesmo que fosse grave. Há dois anos atrás, o doutor Gaspar tinha diagnosticado um cancro nos pulmões de André. E nessa altura, ligou para Antonieta a informá-la, já que era amigo da família.
- Cara Antonieta, como está? Liguei-lhe para lhe dar uma triste notícia, o meu amigo André está doente, tem um cancro.
A Antonieta reagiu com muita frieza e indiferença à notícia.
- Querido Gaspar, não me diga que o meu marido está doente! Quantos meses tem de vida?
Quando Gaspar sentiu a insensibilidade de Antonieta teve pena do amigo e fez de tudo para o salvar. Passados alguns meses, o médico descobriu que se tratava de um cancro benigno.
Quando Gaspar contou ao André o que se tinha passado, este não estranhou e até chorou. Acabou por confessar a pseudo relação que mantinha com a sua esposa.
- Gaspar acha que sou feliz com esta mulher? A Antonieta nunca me amou, quando a conheci trabalhava em Paris, numa casa de meninas. Eu fui a única salvação que ela encontrou para sair daquele lugar. Eu tinha dinheiro, uma casa e estava completamente apaixonado por ela.
O médico ficou muito admirado, afinal a mulher que fazia querer que descendia de Richelier, era uma fraude.
Os anos foram passando, e Antonieta pedia a cada dia que passava que André morresse. Procurava pais e mães de santo, bruxos, espíritas, enfim tinha uma vasta rede do mundo do culto a trabalhar para que o marido atingisse o fim agonizante e ela ficasse com todo o dinheiro.
O André via o tempo a passar e a decisão de terminar com algo que nunca o tinha feito feliz, invadia-lhe a mente. Muitas vezes, pensava em tirar tudo à mulher e mandá-la para Paris, sem nenhum tostão, mas depois pensava na dor que lhe podia causar o sofrimento dela. Apesar de tudo, ainda nutria algum sentimento por ela.
Um dia em conversa com Nicolau decidiu colocar um ponto final na relação, mas ainda não sabia como recompensar a mulher pela enorme falta de amor e carinho que durante tantos anos lhe tinha dado.
Eram duas as soluções que tinha equacionado para a resolução do caso pagava-lhe para ter a sua liberdade ou esperava que a justiça operasse.
Na primeira hipótese, sabia que a mulher nunca iria recusar, afinal o dinheiro era um bem supremo para Antonieta. Quanto à segunda hipótese, a justiça portuguesa era bem lenta, o processo podia levar muitos anos, tantos que talvez ele já tivesse morrido.