quinta-feira, fevereiro 08, 2007

DEDICATÓRIA

Este conto é dedicado a todos os que se revêem nesta composição poética de Mário de Sá Carneiro.
Nada me expira já, nada me vive ---
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu...
Tudo era igual:A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

CAPITULO V

Eram 6 horas da madrugada, o Nuno tinha que fechar o bar, mas um grupo persistente parecia querer prolongar a noite. Quando chegou perto da mesa do mais recente grupo, ficou pasmado. Tinham todos ficado até tarde, nem se tinham apercebido que o tempo tinha passado.
- Meus senhores já é tarde, vou começar arrumar as coisas, preparem-se para sair.
O Paulo, a Anabela, a Margarida, o André e a Teresa era a primeira vez que conversavam. Tinham todos em comum, uma vida destruída. À medida que iam conversando, iam desvendando as afinidades e recontavam uns aos outros, as suas histórias de vida. Todos tinham sido obrigados pelas circunstâncias a alterarem o curso normal das suas vidas. Por algum motivo, deixaram para trás uma vida planeada, ao invés de uma vida em constante mutação. Nunca tinham certezas daquilo que poderia ser o amanhã, para eles, a vida era incerta. Por isso, naquela noite todos comemoravam o seu nascimento para a vida, já que a vida é algo de maravilhoso, como repetia constantemente o André.
- Bebam champanhe, este é bom. É francês, do melhor que existe. Afinal, estar vivo é uma bênção dos céus, dos deuses do Olimpo e da natureza. Bebam que eu pago, afinal hoje tenho tantos motivos para comemorar. Ressuscitei a minha liberdade.
O Nuno sentou-se e ficou a ouvir a conversa, já estavam todos fora de si, o Paulo e o André confessavam o seu descrédito nas mulheres.
- Mulheres, raça malvada. Que destrói a vida de um gajo. Como nos podem reduzir a pó?! Nós que devíamos mandar lá em casa, como faziam os nossos avós! Nem que fosse com um pau, nós devíamos de instituir a lei da força.
E André, não menos contente e mais enervado, relembrando o que tinha passado com Antonieta.
- Aquelas que se dizem de elite são as piores! São como cavalos, em que apostamos e que nos levam a fazer as maiores loucuras e a gastar mais e mais dinheiro. E no final, deixam-nos.
Cheias de sorrisinhos estavam as mulheres que chateadas, só gritavam.
- Viva às mulheres. Somos tão boas. Vocês queriam ser como nós, mas não conseguem é preciso sabedoria, experiência e até sensibilidade. Tudo coisas que vocês não têm.
O Paulo ria-se com a discussão e tentava provocá-las.
- Não temos sensibilidade?! Por causa, dessa malvada sensibilidade é que ela me deixou. Se fosse bruto e lhe batesse, talvez hoje estivesse comigo.
A Anabela furiosa dizia que todos os homens eram idênticos.
- Os homens são todos iguais, só muda o número de bilhete de identidade. Podem ter diferentes idades, mas têm todos a mesma mentalidade, rebaixam-nos e utilizam-nos. São seres maquiavélicos dignos das descrições mais espantosas de Nicolau Maquiavel na sua obra “O Príncipe”.
A Margarida relembrava tudo o que já tinha passado nas mãos de um homem.
- Os homens tratam-nos abaixo de cão, mas para os de fora, são gentis e amáveis. Depois de um copo de vinho, ficam possuídos e nós sofremos as consequências. Nunca mais quero nenhum perto de mim!
A Teresa que nunca tinha tido namorado, marido ou companheiro, apenas mostrava a sua descrença no sexo fraco.
- Os homens são uns fracos. Precisam das mulheres para tudo! São tão ignorantes que ainda não perceberam que quem manda somos nós! Nunca quis, nem quero um homem. São repugnantes, uma raça inferior. Nós mulheres somos fortes, altivas, tal qual leões no meio da selva. Sempre prontas a lutar.
A discussão ia-se prolongando. Já eram 6 horas da manhã, o Nuno tinha que fechar o bar.
- Meus senhores, já é tarde e agradeço que se vão embora. Tenho que fechar o bar. Todos em coro suplicaram, mais uns minutos.
Apesar de tudo, o Nuno sabia que tinha que fechar pois já eram horas de pôr fim à noite.Eles também sabiam que a noite estava a chegar ao fim! Despediram-se com abraços e beijos e marcaram novo encontro no próximo sábado.
Antes de se irem embora o André relembrou a importância de estarem em permanente contacto.
- Minhas ladies e meu gentelemen queiram dar-me o número dos vossos telemóveis.
Todos ficaram com os números uns dos outros, e durante a semana foram comunicando.
A semana passou tão depressa que nem sentiram o tempo a passar. As senhoras compraram umas roupas novas para a saída de sábado à noite. E os senhores compraram uma nova camisa e um perfume. Preparam o próximo encontro com muito cuidado, pois todos queriam estar no auge da sua beleza.
À hora marcada, estavam todos em frente da porta do bar, arranjados e perfumados. Cada um dos amigos sabia, os milagres que uma boa imagem pode causar para quem quer iniciar uma nova relação amorosa.
Pouco a pouco, os pares iam-se definindo, cada um deles estabelecia uma relação de empatia com o outro.
O Paulo estava cada vez mais fascinado com a Anabela. Ela para além de ser culta, era bonita, tinha charme. Era doce e sabia como conquistar um homem. Ele nunca tinha tido alguém que lhe desse carinho e que o ouvisse, ela fazia tudo isso na perfeição e muito mais. Durante a semana, o Paulo tinha estado doente, e ela ligou-lhe foi ter com ele ao hospital. Ele ficou muito sensibilizado com a atitude, até comentou com o seu colega de trabalho.
- Ricardo, a Anabela tem-me ajudado muito, fez com que a minha vida ganhasse um novo sentido.
O Ricardo brincou com a situação, viu que o amigo estava diferente, andava mais contente.
- Tas apaixonado! Cuidado, ela é mais nova!
O Paulo relembrou-lhe a importância de ter alguém que nos valorize e que não nos magoe.
- É muito difícil, para mim ter uma relação com alguém! Depois de ter sido abandonado e vigarizado pela galdéria como queres que trate as outras mulheres?! Vou tratá-las sempre com desconfiança. E vou dar um passo de cada vez, nunca vou pôr a carroça à frente dos bois.
A Margarida pensava que nunca iria encontrar o amor, mas parece que a vida estava a dar-lhe uma segunda oportunidade, o André era um porto seguro. Pela primeira vez, ela sentia que alguém a valorizava. Ligava-lhe a perguntar se estava bem, se precisava de alguma coisa. Ela nos primeiros tempos desconfiava das atitudes de André e dava-lhe vontade de barafustar com ele. Em conversa com as suas filhas revelava, a dificuldade de voltar a gostar de alguém.
- O amor é como andar de bicicleta, mas acho que já há tantos anos que não ando, que até já me esqueci. Já não sei pedalar. E tenho medo de voltar andar, mas o meu maior medo é que alguém me empurre. E que desta vez, me faça cair com tanta força que nunca mais me consiga pôr de pé.
O André estava habituado a comprar tudo com o seu dinheiro e pensava que ela seria uma compra fácil, mas pouco a pouco ela tornava tudo mais difícil. Por isso mesmo, ele admirava-a a cada instante que passava. Ela conseguia tornar a conquista mais motivante, pois o resultado superava o esforço e o tempo gasto. O André não tinha por ela, um sentimento de posse, mas um carinho continuado e prolongado.
Ao contrário das outras, não lhe pedia nada, não o seduzia, mas antes, mostrava a essência do seu ser. Mostrava a Margarida tal qual ela era. Apesar, da idade continuava a ser uma mulher bonita, elegante e inteligente. Ninguém diria que esta mulher já tinha sofrido tanto. Parecia dotada de uma beleza sobrenatural, que transcendia o tradicional. O André não estava habituado a mulheres deste tipo. Sempre teve as mulheres que quis, diziam que era charmoso, mas o dinheiro também o ajudava na conquista dos corações votados ao vento.
Em conversa com a Emília, o André mostrava a insegurança numa nova relação.
- Emília não se preocupe que tão cedo não terá mais ninguém para lhe dar ordens. Eu serei sempre o único detentor desse poder.
A Emília conhecia bem o André, a ela, ele não podia enganar.
- O menino está a brincar comigo! Conheço-o desde pequeno, conheço esses olhos de felicidade, se não está feliz para lá caminha.
A Teresa percebeu porque continuava solteira, tinha uma orientação sexual diferente. Tinha passado metade da sua existência preocupada com a sua vida profissional e tinha ignorado os afectos. Para ela, os sentimentos eram remetidos para terceiro plano, muitas vezes pensava porque não amava e porque não era amada.
- Porque perco sempre quem amo?! Será que ninguém é capaz de me fazer despertar para a vida? Primeiro, o meu escritório de advocacia, depois a minha família e finalmente o amor. Onde está o meu amor?
As amigas confrontavam-na com a sua vida e com as escolhas que tinha feito.
- Teresinha deve ser lésbica. Nunca te vimos com nenhum homem.
A Teresa um pouco chateada negava sempre essa hipótese, para ela ser lésbica era algo de ridículo.
- Não sou essa coisa, apenas quero alcançar o meu sucesso profissional. Quando o amor chegar, vou abrir a porta.
O amor bateu à porta várias vezes, mas Teresa conseguiu fechar sempre a porta. As desculpas eram de todo o tipo. Os anos iam passando e ela conseguia sucessos atrás de sucessos, mas amor, nunca mais.
A primeira vez em que se apercebeu que podia ser lésbica até estranhou. Deu por si a olhar para uma mulher mais velha que passava na rua.
- É tão bonita! Que mulher fascinante! Que olhos bonitos e um sorriso fantástico!
Durante semanas pensou nela. Começou a equacionar a situação, foi aí que se apercebeu que talvez estivesse enganada. Olhava para os homens e não sentia nada, eram-lhe indiferentes.
Nas várias visitas ao Covil conheceu uma mulher fascinante, também ela lésbica. Com quem tinha conversas fantásticas e interessantes. Nos primeiros encontros, tinha medo de revelar a sua orientação sexual, mas quando se apercebeu que Rita tinha a mesma conduta de vida, confessou tudo. A Rita contou-lhe que só se apercebeu que era lésbica muitos anos mais tarde depois dos filhos e os netos nascerem. Era médica de clínica geral, uma excelente profissional e uma excelente pessoa.
Ambas tinham uma certeza, ser lésbica não era uma doença, era ser-se diferente, tal como Teresa referia incessantemente.
- Nós não somos algo do outro mundo, temos uma orientação sexual diferente. E temos direito a ser diferentes, mesmo que juridicamente esse direito de personalidade não nos seja reconhecido.
Depois de todos os clientes saírem ficou o grupo do costume, estavam a conversar, a discutir, a beber e a sorrir. O Nuno olhava para o grupo e reparava que pouco a pouco, cada um deles tinha descoberto um rumo para as suas vidas. Ele lembrava-se das primeiras visitas ao bar que cada um deles tinha feito. Recordava como chegaram e como foram ficando. Traziam todos tristeza, sofrimento, feridas na alma, dor e muitas lágrimas. Pouco a pouco, o tempo foi passando, as dores foram diminuindo e as feridas foram sarando. Agora, eram homens e mulheres que renasciam para a vida pouco a pouco, tal qual andorinhas que voam pela primeira vez. Apesar da idade, para eles a vida era olhada como se fosse pela primeira vez.
O barman constava que a troca de experiências tinha feito milagres, todos eles tinham crescido, tinham percebido que a vida é para ser vivida de cabeça erguida. Todos se tinham apercebido que para viver de cabeça erguida é preciso cair muitas vezes, errar umas quantas, mas nunca desistir.
Das várias conversas e sorrisinhos trocados percebeu que os seus clientes tinham adoptado um novo princípio de vida. Afinal, as conversas noite dentro tinham dado fruto. A repetição da ideologia de luta cravada nas paredes e na mente de Nuno atingia pouco a pouco todos os frequentadores.
- A vida é aquilo que fazemos dela, podemos ser os nossos maiores amigos ou os nossos maiores inimigos. Cabe a cada um de nós nunca ignorar que sobreviver é uma escolha, mas viver é aceitar ir à luta.

CAPITULO IV

O André Gonçalves de Castela e Sande tem sangue azul, mas quando se trata de sofrer o seu sangue é bem vermelho, tal como, o dos outros mortais.
Casado com uma mulher arrogante há 14 anos, sofre de violência doméstica. Maria Antonieta de Sanches e Richelieu é de origem francesa, diz-se descendente do cardeal Richelieu e vocacionada para ajudar os mais pobres. Passa longas e demoradas tardes, a beber chá com as tias de Sintra. A única cultura que conhece é a francesa, só come produtos franceses, toca piano e ouve Edith Piaf.
O marido passa o tempo numa herdade no Alentejo, enquanto Antonieta gasta o dinheiro com os rapazes que conhece à noite. Eles sabem que a tia de Sintra os pode ajudar, afinal são pobres e desprotegidos.
O André recebe semanalmente a visita da mulher, para que este lhe dê o dinheiro que precisa para as despesas do dia a dia. Quando chega à herdade “Território de Castela e Sande” é sempre a mesma confusão. Chega como um foguetão e demora menos que um tornado, pois o que a obriga a vir ao Alentejo é o dinheiro e não a bela paisagem, os cavalos, os touros, as ovelhas e as frutas.
Os empregados, já sabem que todas as segundas-feiras têm que receber a senhora. Preparam tudo para a sua chegada, Nicolau apanha os morangos que Antonieta tanto gosta e Emília faz o cabrito no forno com batatas. A senhora tinha ligado avisar que viria na quinta-feira.
- Bom dia Nicolau, é a sua patroa que está a falar, por favor, avise o meu marido que estou a caminho da herdade.
O André quando ouve o barulho do Ferrari da sua mulher fica muito nervoso e impaciente, não porque a ame, mas porque a discussão vai ser inevitável.
- Querido passe-me um cheque para poder comprar os meus nécessaires! O querido sabe como adoro ter estes prazeres da vida. Além disso, o filho sabe que estou em Sintra e manter uma vida digna é difícil.
Já era a segunda vez, numa semana em que lhe pedia dinheiro e André não tinha vontade de lho dar.
- Querida, já lhe dei dinheiro esta semana! O que anda a fazer?
Já um pouco revoltada com a situação, Antonieta indignou-se.
- Querido, você sabe como gosto de estar em Sintra, mas não posso ficar sem as mínimas condições, senão me der dinheiro, a situação vai resolver-se da maneira habitual (e riu-se).
O marido passou-lhe o cheque, embora contrariado. E nesse dia, Antonieta nem comeu os morangos e muito menos o cabrito. Esteve na herdade apenas 30 minutos.
Quando, o André viu a sua mulher regressar a Sintra, pensou na importância de colocar um ponto-final na situação. Eram anos desperdiçados com uma mulher que não o amava, mas amava o seu dinheiro. Quando o marido estava doente não se preocupava, mesmo que fosse grave. Há dois anos atrás, o doutor Gaspar tinha diagnosticado um cancro nos pulmões de André. E nessa altura, ligou para Antonieta a informá-la, já que era amigo da família.
- Cara Antonieta, como está? Liguei-lhe para lhe dar uma triste notícia, o meu amigo André está doente, tem um cancro.
A Antonieta reagiu com muita frieza e indiferença à notícia.
- Querido Gaspar, não me diga que o meu marido está doente! Quantos meses tem de vida?
Quando Gaspar sentiu a insensibilidade de Antonieta teve pena do amigo e fez de tudo para o salvar. Passados alguns meses, o médico descobriu que se tratava de um cancro benigno.
Quando Gaspar contou ao André o que se tinha passado, este não estranhou e até chorou. Acabou por confessar a pseudo relação que mantinha com a sua esposa.
- Gaspar acha que sou feliz com esta mulher? A Antonieta nunca me amou, quando a conheci trabalhava em Paris, numa casa de meninas. Eu fui a única salvação que ela encontrou para sair daquele lugar. Eu tinha dinheiro, uma casa e estava completamente apaixonado por ela.
O médico ficou muito admirado, afinal a mulher que fazia querer que descendia de Richelier, era uma fraude.
Os anos foram passando, e Antonieta pedia a cada dia que passava que André morresse. Procurava pais e mães de santo, bruxos, espíritas, enfim tinha uma vasta rede do mundo do culto a trabalhar para que o marido atingisse o fim agonizante e ela ficasse com todo o dinheiro.
O André via o tempo a passar e a decisão de terminar com algo que nunca o tinha feito feliz, invadia-lhe a mente. Muitas vezes, pensava em tirar tudo à mulher e mandá-la para Paris, sem nenhum tostão, mas depois pensava na dor que lhe podia causar o sofrimento dela. Apesar de tudo, ainda nutria algum sentimento por ela.
Um dia em conversa com Nicolau decidiu colocar um ponto final na relação, mas ainda não sabia como recompensar a mulher pela enorme falta de amor e carinho que durante tantos anos lhe tinha dado.
Eram duas as soluções que tinha equacionado para a resolução do caso pagava-lhe para ter a sua liberdade ou esperava que a justiça operasse.
Na primeira hipótese, sabia que a mulher nunca iria recusar, afinal o dinheiro era um bem supremo para Antonieta. Quanto à segunda hipótese, a justiça portuguesa era bem lenta, o processo podia levar muitos anos, tantos que talvez ele já tivesse morrido.

CAPITULO III

A Anabela viveu toda a vida feliz com o marido, mas sempre lhe faltou algo! Em conversas com as amigas, nunca soube definir o que lhe faltava, apenas sabia que lhe faltava.
- A tristeza de sentir que não estou completa às vezes inunda-me a alma.
Teresa, a sua melhor amiga (40 anos, solteirona) nunca percebeu bem a situação. Muitas vezes, perguntava-lhe para tentar perceber.
- Mas sentes falta do quê? Tens um bom marido, tens uma boa casa!
- Só te posso dizer que me falta algo! Não me perguntes o quê?!
Os meses foram passando, e Anabela conheceu um aluno por quem se interessou. Ele não era muito bonito, mas era culto e interessado. Era o típico Harry Potter, a inteligência era estrondosa, o dom da palavra era algo do outro mundo e além disso, tinha carisma. Falava sobre qualquer assunto, desde do mais complicado ao mais fácil.
Ela encantou-se com ele, não lhe saia da cabeça.
- Posso ser tão feliz com o Amadeu, mas o Ernesto é um bom marido.
Estava muito apaixonada, mas tinha 12 anos de diferença do ser que a completava. O tempo era um obstáculo intransponível, tinha sempre uma rival à altura, e da mesma idade de Amadeu.
Nos dias, em que ele faltava às aulas sofria e sentia a sua falta. Quando o via, o seu corpo tremia, era uma sensação tão intensa, faltava-lhe o ar! Às vezes, Anabela sentia que tinha voltado atrás no tempo, tinha regressado à altura em que se apaixonou por Ernesto, em plena adolescência. Quando o via nem sabia o que fazer, mas depois de casada e à medida que o tempo foi passando, a magia foi-se esgotando. E agora, passados tantos anos, ao invés de amor apenas sentia carinho e amizade. Para ela, era muito complicado ter passado de um amor sufocante para um amor gelado quase inexistente. Quando conheceu o Amadeu, e se apaixonou só tinha medo que ele desconfiasse que afinal a sua professora gostava dele. Anabela estruturou algumas estratégias para impedir que a relação pudesse avançar, primeiro obrigava-o a dar o seu melhor, tinha que estudar mais que os outros, fazia-o sentir-se mal com os comentários que fazia sobre ele.
Apesar, das tentativas para o impedir de se aproximar, o amor tinha nascido. Tinha passado do estado de apaixonada para o estado de amor. E quando se apercebeu que tinha atingido outra étapa na relação, soube que não podia fugir, tinha que tomar uma decisão. À medida que o tempo ia passando, tentava fugir da decisão, a dúvida durou vários meses. Até que decidiu ficar com o seu marido, porque apesar de ter encontrado o que lhe faltava, sabia que não seria justo fazer sofrer o homem que mais a amou e melhor a tratou.
Depois de vários anos, quis o destino que a situação mal resolvida no passado se solucionasse no presente, acabou por encontrá-lo na mesma escola. Os dois davam aulas, eram colegas. E nessa altura, o sentimento reacendeu, até contou à Teresa.
- Encontrei o que me faltava!

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

CAPITULO II

II

A Margarida Viegas tem metade da sua vida arrasada por um homem que nunca a amou. Agora com meio século de existência não tem força para levar o divórcio em diante.
As suas filhas Rita e Graciete só querem que a mãe seja feliz e instigam-na para que tome um rumo de vida em direcção à felicidade.
- Vale mais cinco minutos de felicidade do que uma vida infeliz!
Nos últimos anos, para além de vítima de violência física, é vítima de violência verbal continua. O peso das tradições impera sobre ela como uma montanha sobre um rato. Na sua aldeia ensinaram-lhe que a mulher deve sempre submeter-se à vontade do marido. Muitas vezes, dá por si a pensar.
-Queria tanto mudar, mas não sou capaz! O que vão dizer de mim? Vão pensar que me perdi! Ou quem sabe, que arranjei outro!
Derrepente ouve um barulho no final do corredor e uma voz trémula.
- Onde estas vadia? Ando eu a ganhar para tu gastares! Passas o dia a dormir Preguiçosa!
Margarida estava habituada a ouvir aquele discurso amoroso todos os dias. O seu marido passava pelo café da tia Joaquina e bebia tanto quanto queria, até ficar completamente descontrolado. Tinha uns bons amigos que o incitavam a beber. Muitas vezes, ele queria ir para casa no final do trabalho, mas lá chegava o grupinho dos três Zés para o desviar.
- O que vais fazer para casa? Aturar a chata da tua mulher?! A vida não é só trabalhar, vem beber um copo!
E quando chegava a casa era um total desassossego. Espancava a mulher e ela só pensava na sua vida e como podia ter sido feliz. Recentemente, a ideia de felicidade invadia-lhe a cabeça! Tudo graças ao Joel, um homem bonito, charmoso que lhe dava a atenção que ela tanto pedia a Deus! Às vezes, quando o marido lhe batia pensava nele.
- Se tu soubesses que outro gosta de mim! E que me quer fazer feliz! Irias bater-me com mais força! E quem sabe, até matar-me!
Os dias iam passando, e a tristeza e a desilusão ia crescendo no peito da mulher que em jovem tinha sido miss num concurso na sua aldeia. Nessa altura, era invejada por todas pela graciosidade do seu ser e pela sua enorme cultura. Hoje tinha rugas bem marcadas, uma cicatriz na alma e tantas feridas no corpo, sinal das noites mal dormidas.
Com o nascimento do seu neto Dinis percebeu que também, ela tinha que nascer de novo para a vida. Ao vê-lo na maternidade percebeu a beleza de um ser que nasce para a vida.
- Tu tens tanta vida! Não sabes os perigos que terás de enfrentar, mas choras com tanta garra, como se quisesses dizer, estou aqui para viver! E eu tenho fugido de viver estes anos todos!
Naquele dia, chegou a casa decidida a acabar com a vida. Uma vida que tinha sido sempre madrasta. Tinha todo o material necessário! Uma corda e os comprimidos. Primeiro iria drogar-se depois enforcava-se. E se algo corresse mal teria sempre a arma de caça do marido, essa não a iria desiludir.
Levou tantos anos para arranjar coragem para tomar uma decisão. Tinha dois caminhos, a morte ou a vida. A morte era a solução mais cómoda, morria e tudo acabava. Deixava de ter noites mal dormidas e vergonha da vida que levava.
Às vezes, quando ia ao café da aldeia, as pessoas olhavam-na com dureza e comentavam umas para as outras.
- Ali vai a Margarida, coitada dizem que o marido todas as noites lhe bate. A tia Amélia diz que às vezes, acorda a meio da noite, com os gritos dela a pedir que pare.
Depois de tantos anos de vergonha, o Dinis era a luz no final do túnel. Aquele nascimento veio ajudá-la a decidir-se entre uma vida de sofrimento e uma morte feliz.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

CAPITULO I

O fumo cinzento com alguns traços brancos inundava a sala escura e fechada. Os cheiros de chanel, Dolce Gabana ou até mesmo, um simples desodorizante da loja dos chineses misturados com incensos de baunilha e velas vermelhas e rosa perfumavam o bar.
Os rostos cruzavam-se e eliminavam-se mutuamente. Os olhares cruzados tentavam encontrar algo no escuro serrado. Talvez, um sorriso, um toque ou um simples piscar de olhos. Todos os membros do Covil Bar tinham pelo menos três décadas de existência, muitas desilusões e procuravam aventuras rápidas e passageiras.
As paredes do bar se falassem, iriam contar as histórias dos homens e das mulheres destruídas pelo tempo que procuravam um porto seguro, mas apenas por breves instantes.
O comportamento dos frequentadores mudava radicalmente, aos fins-de-semana. Todos os fins-de-semana eram bons para encontrar uma falsa metade de cada ser, esse era o objectivo de cada noitada prolongada. As caras novas eram depressa procuradas para uma conversa momentânea. A inexperiência de uns levava-os muitas vezes, por caminhos obscuros. Os mais experientes, já conheciam a etiqueta para eventos como este. Na primeira vez, via-se o ambiente, os gestos, via-se quais as regras instituídas no local. Na segunda vez, tentavam conversar. Na terceira vez, iam descobrindo as afinidades com os frequentadores. Esta última fase era decisiva, para se integrar no grupo. Se não gostassem nunca mais voltavam, mas se gostassem seriam presença assídua todos os fins de semana até encontrarem o seu alter- ego.
Sabiam que podiam encontrar qualquer outro Covil espalhado por cidades e por aldeias no interior de Portugal. Era um fenómeno em expansão: cada vez mais divorciados frequentavam estes bares, na esperança de encontrarem um novo rumo para as suas atormentadas vidas.
Quando a porta se abria, todos esperavam ansiosamente pelo rosto que a luz iria iluminar. Por vezes, a espera chegava a doer na alma, pois a ansiedade era tanta, o coração batia fortemente. Assim aconteceu com o Paulo, um dos inexperientes recém divorciados, sem cão, nem mulher, nem filhos.
A ex-mulher, Ana Maria era uma galdéria, como os amigos que lhe chamavam. Tinham dois anos de diferença, mas ela era de uma terra para lá do sol-posto. Casou-se porque queria sair de casa e ir para Lisboa. No entanto, a Maria como o Paulo gostava de a chamar, foi trabalhar, para uma loja chique, cujo proprietário se interessou por ela. A vida que tinha com o Paulo, não era das melhores. Ela gostava de grandes luxos, roupa de marca. E o marido não lhe podia dar, afinal era um simples empregado de restaurante.
Um homem doce, meigo e muito trabalhador. Arrumava a casa, lavava a roupa e fazia a comida. Era um escravo da Cleópatra Ana Maria. Este homem só tinha um sonho ter um filho da mulher que amava, mas os sonhos nem sempre se realizam e talvez por isso, sejam sonhos. O sonho do homem meigo transformou-se num verdadeiro pesadelo. Dois anos antes do divórcio, Ana Maria deu-lhe o melhor presente de anos, estava grávida. O Paulo ficou tão contente que começou a trabalhar muito mais.
No entanto, a felicidade não era para durar, num dia chuvoso de Abril, o sonho acabou. Ana Maria chegou decidida acabar com o casamento e com o filho que não queria ter.
- Não quero ter um filho contigo, quero abortar! Quero que me dês o divórcio.
- Como me podes pedir semelhante coisa?! O que foi que eu fiz?! Explica-me não estou a perceber nada!
- Não me interessa o que percebes ou não. Apenas quero que saibas que não quero continuar contigo. Tu não és aquilo que eu pensava e também não me podes dar o que quero! Nunca iria ter um filho contigo! Percebes?! Como o iríamos sustentar? Tu nem ganhas para mim, quanto mais para um filho. Já pensaste que ter um filho envolve dinheiro?! Isso, tu não tens!
- Mas nunca te faltou nada! Vou de autocarro para o trabalho, tu vais de carro. Já há dois anos que não compro roupa nova! E tu, todas as semanas compras uma roupa para estrear! O nosso filho teria tudo!
- Não me interessa o que pensas! Alias, tu a mim não me das nada. Senão fosse o meu patrão o que seria de mim! Ele já me prometeu ajuda.
- Tem o meu filho que eu cuido dele.
- Ficar com o meu corpo estragado?! Nem penses.
O Paulo ao entrar no Covil Bar recordou a sua vida, foi como vivesse tudo de novo. A dor de ser abandonado, a dor por lhe tirarem o filho que tanto queria ter e a enorme dor de ser traído pela mulher que tanto amou e em quem sempre confiou. No primeiro momento, em que a viu pensou ter encontrado aquela que seria a mais digna, para ser a sua companheira para o resto da vida. Caso contrário, nem sequer se teria casado.
Ao entrar no bar fez um regresso ao seu passado, mas também rapidamente percebeu que tinha muito em comum com as pessoas que ali estavam.
Foi uma vez, duas vezes, três vezes e voltou muitas mais vezes até se tornar muito amigo do barman. E este, todas as noites lhe contava as histórias de vida das várias pessoas que frequentavam o bar.

CONTO

A pedido de muitos amigos resolvi publicar o meu conto. A partir de hoje podem conhecer o "Bar da Desilusão".

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

VOLTAMOS

Depois da pausa habitual para o estudo profundo, regressamos com mais garra ao fogo que aquece a alma, durante 365 dias.
Durante este tempo tive oportunidade de ter como companhia nestas noites frias, a TSF. Foi uma boa experiência, até porque já não sabia de quando eram as notícias, tinha sempre a sensação que conhecia tudo. São daquelas coisas estranhas de quem entra em ruptura total.
Bem, falando de rádio e das últimas novidades, referência para o RCP com um novo formato. Enfim, aprecio este estilo de rádio de notícias. Penso que está em pé de igualdade com a sua adversária directa, a TSF.
É bom para todos nós que existam duas rádios com tanta qualidade a nível informativo.
Obrigada RCP. E já agora, agradeço a bela companhia nas noites solitárias de Inverno, merci TSF.