quarta-feira, fevereiro 07, 2007

CAPITULO II

II

A Margarida Viegas tem metade da sua vida arrasada por um homem que nunca a amou. Agora com meio século de existência não tem força para levar o divórcio em diante.
As suas filhas Rita e Graciete só querem que a mãe seja feliz e instigam-na para que tome um rumo de vida em direcção à felicidade.
- Vale mais cinco minutos de felicidade do que uma vida infeliz!
Nos últimos anos, para além de vítima de violência física, é vítima de violência verbal continua. O peso das tradições impera sobre ela como uma montanha sobre um rato. Na sua aldeia ensinaram-lhe que a mulher deve sempre submeter-se à vontade do marido. Muitas vezes, dá por si a pensar.
-Queria tanto mudar, mas não sou capaz! O que vão dizer de mim? Vão pensar que me perdi! Ou quem sabe, que arranjei outro!
Derrepente ouve um barulho no final do corredor e uma voz trémula.
- Onde estas vadia? Ando eu a ganhar para tu gastares! Passas o dia a dormir Preguiçosa!
Margarida estava habituada a ouvir aquele discurso amoroso todos os dias. O seu marido passava pelo café da tia Joaquina e bebia tanto quanto queria, até ficar completamente descontrolado. Tinha uns bons amigos que o incitavam a beber. Muitas vezes, ele queria ir para casa no final do trabalho, mas lá chegava o grupinho dos três Zés para o desviar.
- O que vais fazer para casa? Aturar a chata da tua mulher?! A vida não é só trabalhar, vem beber um copo!
E quando chegava a casa era um total desassossego. Espancava a mulher e ela só pensava na sua vida e como podia ter sido feliz. Recentemente, a ideia de felicidade invadia-lhe a cabeça! Tudo graças ao Joel, um homem bonito, charmoso que lhe dava a atenção que ela tanto pedia a Deus! Às vezes, quando o marido lhe batia pensava nele.
- Se tu soubesses que outro gosta de mim! E que me quer fazer feliz! Irias bater-me com mais força! E quem sabe, até matar-me!
Os dias iam passando, e a tristeza e a desilusão ia crescendo no peito da mulher que em jovem tinha sido miss num concurso na sua aldeia. Nessa altura, era invejada por todas pela graciosidade do seu ser e pela sua enorme cultura. Hoje tinha rugas bem marcadas, uma cicatriz na alma e tantas feridas no corpo, sinal das noites mal dormidas.
Com o nascimento do seu neto Dinis percebeu que também, ela tinha que nascer de novo para a vida. Ao vê-lo na maternidade percebeu a beleza de um ser que nasce para a vida.
- Tu tens tanta vida! Não sabes os perigos que terás de enfrentar, mas choras com tanta garra, como se quisesses dizer, estou aqui para viver! E eu tenho fugido de viver estes anos todos!
Naquele dia, chegou a casa decidida a acabar com a vida. Uma vida que tinha sido sempre madrasta. Tinha todo o material necessário! Uma corda e os comprimidos. Primeiro iria drogar-se depois enforcava-se. E se algo corresse mal teria sempre a arma de caça do marido, essa não a iria desiludir.
Levou tantos anos para arranjar coragem para tomar uma decisão. Tinha dois caminhos, a morte ou a vida. A morte era a solução mais cómoda, morria e tudo acabava. Deixava de ter noites mal dormidas e vergonha da vida que levava.
Às vezes, quando ia ao café da aldeia, as pessoas olhavam-na com dureza e comentavam umas para as outras.
- Ali vai a Margarida, coitada dizem que o marido todas as noites lhe bate. A tia Amélia diz que às vezes, acorda a meio da noite, com os gritos dela a pedir que pare.
Depois de tantos anos de vergonha, o Dinis era a luz no final do túnel. Aquele nascimento veio ajudá-la a decidir-se entre uma vida de sofrimento e uma morte feliz.